"Que a inspiração chegue não depende de mim.
única coisa que posso fazer é garantir que ela me encontre a trabalhar"
Pablo Picasso
Estes três vídeos fazem parte de uma série de quatro, criados por Kirby Fergunson para desmistificar de uma vez por todas a criatividade e a inspiração, e a ideia de que a humanidade avança com a genialidade de um punhado de iluminados. Nada se cria, tudo se transforma, copia e combina num todo que é sempre superior às partes o constituem. É a paixão com que nos dedicamos a uma qualquer tarefa, e a paciência para falhar, falhar outra vez e falhar melhor (e aqui estou a copiar Samuel Beckett) que faz toda a diferença. Os momentos de inspiração (que para quem está de fora parecem sempre imbuídos de uma certa magia e misticismo) são sempre produto de muitas, muitas horas a pensar e a trabalhar arduamente num qualquer problema... e nem sempre nos locais mais tradicionais. Pode ser na banheira, na cama, no trono de cerâmica, nos transportes, num guardanapo de um café, numa toalha de papel de um restaurante, na areia da praia ou até na palma da mão. E no fim, quando menos se espera, tudo se encaixa na perfeição. Sem divindades.
Falando um pouco da minha experiência como ilustrador, quando vou às escolas apercebo-me muitas das vezes que os miúdos tendem a idolatrar a pessoa que têm à sua frente. Para eles, o careca que está em pé a mostrar originais de ilustrações, gesticulando com entusiasmo enquanto fala apaixonadamente das técnicas de pintura, de truques e segredos, é alguém "iluminado", que tem um tremendo talento para desenhar / pintar... alguém para quem o acto criativo é sempre fácil e natural como respirar. Este tipo de pensamento - que também é apanágio de muitos crescidos, o que está na base de muitos problemas - é resultado de uma ideia romântica do que é a inspiração. Na verdade, para mim, criar algo (seja uma ilustração ou um projecto de arquitectura) sempre foi fonte de muitas angústias, momentos depressivos, dúvidas existenciais e vazios criativos tão infinitos como uma folha branca de papel A4. O parto de uma ideia é sempre muito, muito difícil. São mais os momentos em que nada acontece, do que aqueles em que se está a fazer algo. Esbanjo folhas e folhas dos meus cadernos de desenho, com garatujas, gatafunhos e rabiscos que arrancam sempre gargalhadas e vogais de espanto aos miúdos. Aliás, é esta a razão pela qual eu gosto de levar alguns dos meus blocos de desenho para os encontros nas escolas.... para lhes provar que afinal eles desenham muito, muito melhor do que eu (e para que fique bem assente, são muitas as limitações que tenho no desenho)... a diferença reside apenas no facto de eu ser teimoso que nem uma mula, e não parar de desenhar algo exactamente como eu pretendo. Porque as crianças (enquanto não se cruzam com os adultos-que-tudo-sabem-e-que-por-isso-mesmo-dizem-que-o-céu-não-pode-ser-verde-alface-nem-a-árvore-ter-riscas-de-zebra, ou até mesmo um professor - que é sempre uma referência na vida de uma criança - que gosta primeiro de desenhar no quadro aquilo que ele quer que as crianças façam no papel, para garantir deste modo que os desenhos ficam mais "bonitos"... mas sobre isto escreverei num outro post) desenham o que sentem e não somente o que vêem, com uma frescura, transparência e sinceridade que derrete o coração mais empedernido e deleita até o maior perito mundial em arte. Aliás, essa é a minha definição de ilustrador... alguém que cresceu e que procura, em todos os momentos da sua existência, DESENHAR tão bem como quando era criança, e por isso mesmo, conseguir ver o mundo da mesma forma. E ainda por cima é pago para esta tarefa hercúlea onde poucos, pouquíssimos foram bem sucedidos... basta folhear um livro de história da arte.
A propósito de tudo o que atrás escrevi, apresento-vos a Natalina, vista pelos olhos de Maria Leonor, com 5 anos, que aqui representou a educadora de quem gosta muito.
"A Natalina" por Maria Leonor, 5 anos Pastel e caneta de feltro sobre papel |
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