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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Biblioteca Municipal de Carnaxide: Passo-a-Passo 30











Dia#22

Para hoje tinha planeado terminar os pormenores que faltavam à personagem, e dar uma primeira demão de verde aos 4 biombos. Mais uma vez se provou que tenho um grave problema em prever de uma forma sensata o tempo de execução de uma qualquer tarefa pois normalmente subestimo-o. Começo a aperceber-me que sempre que o faço, o tempo real resvala para um valor próximo do dobro. A estratégia passa por determinar, numa primeira abordagem, os prazos envolvidos nas várias fases de um projecto, para depois lhes aplicar um factor a que os engenheiros carinhosamente apelidaram de "Factor-Cagaço". Ora aí está... nem mais.

Como dizia inicialmente, dos dois objectivos inicialmente estipulados para o dia de hoje, apenas atingi o primeiro. De qualquer forma,

sinto-me muito feliz pois terminei finalmente a ilustração da parede
.

Adicionei umas antenas à personagem (numa clara alusão ao mundo dos insectos, que me serviu de inspiração desde o início) e inseri uma fita preta de seda no livro para lhe marcar as páginas. Estes elementos tridimensionais pretendem criar uma certa ambiguidade com a bidimensionalidade da ilustração, quase como se esta quisesse ganhar vida própria e sair a voar da parede. No fim afinei as zonas sombreadas, as altas-luzes e o contraste geral da ilustração.

No IPod, bem baixinho, a música intimista e algo psicadélica dos Six Organs of Adimittance preencheram-me as pregas dos pensamentos, com os álbuns "Compathia", "Dust & Chimes" e "For Octavio Paz".

Paulo Galindro

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Biblioteca Municipal de Carnaxide: Passo-a-Passo 29







Dia#21

Mais uma vez passámos o dia nas lides de carpintaria. Acabámos a construção dos 4 biombos. Inicialmente eram para ser 5 biombos, mas um erro no escalamento da planta do espaço que me foi cedida no início (e que resultou num pequeno sobredimensionamento do espaço face à área real) e mais tarde, um aumento deliberado das dimensões inicialmente previstas para os biombos, com vista a um total aproveitamento no corte das placas de MDF de origem (que eram maiores que o inicialmente previsto), estiveram na origem da alteração dos planos. Esta alteração de última hora deu origem a uma espaço menos fragmentado, menos cheio e com uma leitura mais contínua e fluida da parede formada pelos biombos, já que estes se apresentam mais abertos e, consequentemente, com menos cantos e esquinas pronunciados.
Após a montagem dos biombos, as inevitáveis imperfeições e os buracos dos parafusos foram regularizados com massa de betume e posteriormente lixados. Esta operação voltou a provocar uma tempestade de pó de proporções bíblicas, que por ser de gesso, ainda se revelou mais agressivo para a pele e vias respiratórias.
Á tarde, o meu filhote Miguel fez-me uma visita. Imagino o quanto a personagem lhe deve ter parecido gigante.

Lá longe, o IPod debitou notas quentes de Jazz, ou, como desde sempre lhe chama o meu filho João, de “Música de Chuva” (a Bossa Nova também foi honrada com esta linda denominação). De facto, esta música aconchegante faz parte do nosso imaginário invernal, repleta de inesquecíveis “picnics” em frente à lareira, enquanto lá fora a chuva risca a paisagem.
Chet Baker, Chet Baker Quintet, Charlie Parker e Django Reinhardt aqueceram-nos o ambiente. Excepção a Mischa Maisky, que tocou Bach e Vivaldi.

Paulo Galindro

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Biblioteca Municipal de Carnaxide: Passo-a-Passo 28







Dia#20

Pensei que hoje seria um "(...) uma noite especial, para saborear devagar". Pensei que acabaria definitivamente a ilustração, e seria exactamente isso que teria acontecido se não me sentisse tão doente. De facto, vir hoje à biblioteca foi mais um acto de fé do que racional. Sinto-me com febre e tenho uma dor de garganta tão intensa que chego a acreditar que por descuido engoli uma central nuclear. Mas mesmo assim vim, e não me arrependo nada. A produtividade não foi a mesma e não consegui atingir os objectivos de terminar o trabalho, mas pelo menos não fiquei deitado no sofá, a alimentar ainda mais o orgulho feminino quando afirma que os homens são uns fraquinhos, no que à dor diz respeito.
Á mala-conserva juntei uma pega para a transportar, uma fechadura para proteger a riqueza do seu conteúdo, e o lettering "Maravilha Atum em Azeite" com respectivos elementos decorativos, uma tarefa tão complexa em termos de posição que me vi obrigado a pôr em prática ensinamentos do Yoga e do Kama-Sutra. Mais tarde, afinei as sombras e chamei mentalmente nomes ao universo pela intensidade das dores de garganta.

A música, como sempre, preencheu o vazio imenso de uma biblioteca à meia-noite, onde a solidão que se sente rivaliza ironicamente com a presença silenciosa de 50 milhões de personagens que povoam os seus livros: A pop inteligente e sentimental de Bat For Lashes em "Fur and gold"; a magia infantil dos nórdicos Múm em "Go go smear de poison" (a banda sonora do nosso site é desta banda) e o tecno cósmico de Lindstrom e "Where you go i go too".

Paulo Galindro

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Biblioteca Municipal de Carnaxide: Passo-a-Passo 27







Dia#19

Ainda não foi hoje que consegui acabar a mala-conserva. São muitos os pormenores e a posição a que me obriga é massacrante mas, pouco a pouco, vou vendo a luz ao fim do túnel transformar-se num lindo e enorme circulo de luz. E agora tenho a certeza de que não se trata de um comboio, mas sim da saída .
3 horas para pintar os livros, a cabeça saltitona e um coração. Dito assim até parece mentira, mas é mesmo assim aquilo que faço. Um imenso exercício zen de paciência.
Amanhã vai ser uma noite especial, para saborear devagar.

A música, essa musa incansável que me acompanha sempre e desde sempre, foi-me oferecida pela sensualidade e o glamour dos Ilya com álbum "They died for beauty", pelo futurismo e a sofisticação dos Massive Atack em "100th Window", no fim, pelas paisagens glaciares de Bjork com "Vespertine"

Paulo Galindro

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Biblioteca Municipal de Carnaxide: Passo-a-Passo 26







Dia#18

Finalmente a cheguei à etapa final do mural... a ilustração da Mala - Conserva. Assente no caule do cogumelo e devidamente aberta para mostrar aos mais curiosos o seu conteúdo, este é um dos mais importantes acessórios da personagem, já que é no seu interior que transporta muitos livros repletos de histórias maravilhosas - que deliciam os 5 sentidos de muitas crianças por esse mundo fora - e muitas outras coisas mágicas e misteriosas, que por vezes saem para cá para fora como se tivessem vida própria. Apesar de ser uma ilustração relativamente pequena, envolve alguma complexidade pela quantidade de pormenores, e, acima de tudo, pela posição extremamente incómoda a que me obriga a estar para conseguir realizá-la.

Na reino dos decibéis, ouvi a música minimal do álbum "Solo Piano" de Philip Glass, a sonoridade sensual e pecaminosa de Astor Piazzola em "The Rough Dancer and the Cyclical Night (Tango Apasionado)" (pintar é dançar com as mãos... e céus, como é estimulante pintar ao som do Tango) e, no final, o virtuosismo de Wolfgang Amadeus Mozart e a sua Sinfonia nº 40 e Serenata. Uma ceia musical irresistível.

Paulo Galindro

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Biblioteca Municipal de Carnaxide: Passo-a-Passo 25







Dia#17

Ontem dediquei-me à base do cogumelo e aos sapatos da personagem. Faltam apenas alguns pormenores de expressão para terminar os dois, mas a personagem já se encontra sentada condignamente e não terá mais frio nos pés.
Na próxima sessão darei finalmente início e execução da Mala de Conserva, último passo na escalada para a conclusão da ilustração.

Quanto à música, o cansaço e o stress a que estou actualmente sujeito fizeram-me optar novamente pela ambiência etérea e contemplativa de Hammock, de que já falei aqui.

Paulo Galindro

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

“Meia noite ou o Princípio do Mundo” de Richard Zimler



Acabei de ler este livro. Adorei. Simplesmente adorei. E não me esquecerei destas duas passagens:

“(…) Sabes, às vezes penso que bastava escutarmos um pouco mais o Senhor Beethoven e o Senhor Mozart para as coisas serem todas muito melhores. Mas não ouvimos realmente o que eles nos querem dizer. Não, realmente não. – Afastou-me uns cabelos da testa. - Acho que não sabia o que eles estavam de facto a dizer até ter chegado á tua idade.
- E o que é que eles estão a dizer, mamã?
- É segredo – respondeu num murmúrio, sorrindo como uma menina.
- Não contarei a ninguém, juro.
- Bem, John, só te vou dizer a ti, uma vez que os outros iriam achar que eu era doida. Todos os grandes compositores estão a dizer-nos com os seus acordes e melodias – e até nos silêncios entre as notas – que a vida é longa, mas não tão longa como nós julgamos ao princípio. E que também vai ser muito mais dura do que alguma vez imaginámos; por isso, devemos criar toda a beleza de que formos capazes enquanto cá estivermos e ajudar todas as pessoas a quem amamos a fazer a mesma coisa. Também devemos ouvir-nos uns aos outros da mesma forma como os ouvimos a eles – isso é muito, muito importante. E devemos ter a coragem de lutar contra tudo que comprometa a nossa própria beleza ou que, de alguma maneira, a possa prejudicar. Todos os compositores verdadeiramente grandes estão a preparar-nos para vivermos correctamente e a dar-nos coragem para seguirmos com as nossas vidas o melhor que pudermos, mesmo que tenhamos cometido os erros mais imperdoáveis (…)”

“De facto, sou todos os tons e todos os acordes. Todos o somos, ou não os poderíamos ouvir nos nossos ouvidos quando não há nenhuma música a tocar. Tudo o que existe no mundo tem um cognato no nosso interior. Até o mais pequeno dos átomos.”

Inesquecível. *****

Paulo Galindro

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Biblioteca Municipal de Carnaxide: Passo-a-Passo 24

Sitting quietly, doing nothing, spring comes, and the grass grows by itself
Proverbio Zen
Dia#16

Hoje fui de novo jardineiro. Apesar de gostar muito de verde, confesso que, tal como os amarelos e os brancos, é uma das cores que menos gosto de trabalhar. São cores muitas vezes pouco opacas e que obrigam a várias demãos, o que na maior parte das vezes tira frescura e espontaneidade ao desenho. E no entanto, adoro pintar grandes superfícies relvadas. Talvez seja a vibração cromática destes espaços, talvez seja do aparente caos, ou talvez seja apenas minha veia impressionista.
Comecei por pintar uma segunda demão de verde base em toda a área (a primeira demão dei no dia#14), com pinceladas vigorosas e plenas de tinta espessa. Uma das minhas técnicas é aplicar expressão e riqueza textural à pintura logo de início, através da direccionalidade das pinceladas (neste caso ascensional como a relva), das texturas produzidas pelas camadas de tinta pouco diluída e da subtileza dos milhares de finas linhas que os pêlos do pincel criam na superfície pintada (é por esta razão que gosto muito de pincéis velhos e secos). Aplico este principio em todas a fases de execução das minhas ilustrações, o que me obriga a ter logo de início profundas certezas quanto à natureza textural daquilo que estou a representar.
Ainda com esta camada de verde bastante húmida, apliquei pinceladas de verde bastante escuro, impressas com movimentos amplos e energéticos. O mesmo principio foi aplicado às alta-luzes, mas com verde amarelado. Mais tarde, com um pincel muito fino e com forma de leque, defini com mais rigor cada uma destas áreas.
O segredo está em não nos focalizarmos a nossa atenção num elemento apenas, mas no todo. Perde-se em rigor o que se ganha em impressão visual.

Conduzida pelo grande Herbert karajan, a deusa Maria Callas interpretou para mim a ópera romântica e trágica de Giacomo Puccini "Madama Butterfly", que tal como "Turandot" - do mesmo compositor - é uma das minhas óperas preferidas.

Paulo Galindro



segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Biblioteca Municipal de Carnaxide: Passo-a-Passo 23


Dia#15

Ontem, Eu e o meu pai fomos novamente tuaregues num deserto de serradura. Durante a manhã, demos por concluído o corte dos painéis de MDF, tarefa que havia sido iniciada no dia#10. Durante a tarde, demos início à construção dos biombos, tendo concluído dois deles. Cada biombo é formado por 2 parte, cada uma delas constituída por 2 painéis de MDF e uma estrutura de suporte interior que forma uma moldura. A unir as duas partes, um conjunto de 3 dobradiças que se desencaixam, permitindo deste modo a desmontagem dos biombos e uma maior facilidade no transporte dos mesmos. Os biombos ficaram extremamente sólidos e estáveis, e quando todos estiverem ligados entre si por uma ferragem em forma de gancho, a segurança do conjunto ficará totalmente assegurado. Basicamente será um muro de relva intrasponível e inalterável.

Como banda sonora, fomos agraciados pelos sons agressivos de uma serra de recortes B&D PT 600W Smart Select Pendulum Jigsaw, pelos acordes ásperos de um lixadora B&D Mouse KA1000, pela batida dançante de um martelo de orelhas, e pelas sonoridades urbanas de um berbequim, que também aparafusa.

Paulo Galindro

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Biblioteca Municipal de Carnaxide: Passo-a-Passo 22

"See how nature - tree, flowers, grass - grows in silence; see the stars, the moon and the sun, how they move in silence... we need silence to be able to touch souls."

Madre Teresa de Calcutá

Dia#14

Hoje fui um fiel jardineiro. Dediquei a noite a plantar relva. O verde foi por isso, a única cor que me sujou as mãos. Nas próximas demãos vou ter transformar esta imensa e insípida área de verde num relvado majestoso, aconchegante e fresco. E esse efeito deverá estender-se também aos 5 biombos, a executar este fim-de-semana. Suspeito que pelas suas dimensões e complexidade, esta fase "mais fresca" irá ser uma travessia do deserto.

A acompanhar o intimismo deste instante de jardinagem, Jose gonzalez cantou para mim o silêncio através dos seus albuns "In ou nature" e "Veneer". Perfeito.

Paulo Galindro

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Biblioteca Municipal de Carnaxide: Passo-a-Passo 21

"Music for a vast, half-submerged, ruined cathedral. Walls overgrown. Birds wheeling under the broken dome. Only possible to enter by swimming underwater through a huge warm blue lake. Of course you would be able to breathe the water. Music would be moving quietly through the walls. Almost imperceptible unless you focus on it. Slowly but constantly changing."

John Foxx in "Cathedral Oceans"

Dia#13


Por vezes, quando estou sozinho a pintar num espaço imenso como uma biblioteca ou colégio, sou acometido por um profundo sentimento de religiosidade. Não falo obviamente de religião no sentido mais tendencioso da palavra. Falo sim de um sentimento de espiritualidade e paz interior onde o tempo e o espaço parecem dissolver-se. Nesses momentos, entro num estado alterado de consciência em que me fundo totalmente no mundo que estou a criar e na música que estou a ouvir. O tempo, o cansaço, a fome, os pincéis e as tintas deixam de ter existência própria. Nesses momentos de epifania sinto que estou a fazer aquilo para o qual nasci, a percorrer o caminho que me está destinado desde sempre. Nesses momentos consigo ouvir o som do mecanismo invisível que gere a minha vida desde tempos imemoriais. Tudo está no lugar certo, no momento certo. Nesses momentos sinto que finalmente estou a regressar à Casa-dentro-de-mim onde sempre vivi, e pressinto que essa Casa é uma Catedral.

E foi imerso neste oceano de paz, com os sentidos aninhados nos sons contemplativos de John Foxx com a sua impressionante trilogia "Cathedral Oceans", que dei início à pintura do caule do cogumelo e dos sapatos da personagem (continuam abertas as sugestões para o futuro nome). A um nível mais subtil, aprimorei as sombras da tiara silvestre, da gargantilha citrinica e das páginas folheadas. Envelheci dos cantos de metal do livro e terminei o interior da sua lombada. Pincel, lápis de cera, grafite, tesoura e as pontas dos 10 dedos (que ficaram sem impressões digitais e cheios de bolhas).
Perto da biblioteca existia uma imensa árvore que foi cortada em vários discos com aproximadamente 40 cm de altura. Não consigo vislumbrar o que pode levar ao corte de um ser tão belo e imponente. Talvez estivesse doente, talvez fosse "demasiado grande" para o ambiente urbano, ou talvez fosse um "incómodo" no passeio onde se encontrava. Juntei as forças que me restavam e guardei dois pedaços de tronco no porta-bagagens do carro. Juntos, vão dar um maravilhoso trono para os contadores de histórias que vierem colorir ainda mais este espaço.

Paulo Galindro