sábado, 27 de outubro de 2012

Uma tragédia silenciosa

"Alterações climáticas... uma tragédia silenciosa"
por Paulo Galindro
Acrílico sobre MDF
29x40 cm
Outubro 2012

Esta é mais uma ilustração para a capa do destacável "Rebentos" que integra a publicação bimestral "Folha Viva", uma revista de ambiente do Centro de Educação Ambiental da Mata Nacional da Machada e Sapal do Rio de Coina, produzida pela Divisão de Sustentabilidade Ambiental da Câmara Municipal do Barreiro.

Desta vez o tema foi as Alterações Climáticas, e como sempre tive total liberdade para criar. Posso desde já dizer que esta é uma daquelas ilustrações cujo processo criativo me deixou triste. Muito triste. E o resultado transparece isso mesmo. Na história que esta ilustração conta, este urso não sobreviverá, como não sobreviverá nenhum urso que acabe confinado a um pedaço de gelo que se desprenda, e flutue à deriva no oceano, até ao seu completo e rápido derretimento. E são muitos... muitos mesmo aqueles que acabam por morrer afogados.

Não vou mentir. Esta foi para mim uma das ilustrações mais tristes que já saíram das minhas mãos. Pela solidão, pela ausência de esperança que se desprende deste pobre animal, pelo fim que avizinha, que é tudo menos um "(...) e viveu feliz para sempre!". Perdoem-me por isso alguma crueldade por baixo destas camadas de tinta. Mas há histórias que não se conseguem contar de outro modo. Ninguém as ouviria. E eu quero que todos oiçam esta minha história.



"Era uma vez um urso polar - branco como a neve - que vivia no Pólo Norte, coisa que ele nunca poderia saber, porque é um urso, e os ursos não usam bússola. 
Floco, chamemos-lhe assim, tinha uma vida simples, e feliz. Caçava. Dormia. Cortejava. Procriava. Comer. E percorria os grandes horizontes, porque os ursos são livres como o vento, não ficam confinados à área que conhecem. Mas ele não poderia pensar sobre estas coisas, porque é simplesmente um urso. E os ursos, mesmo os muito grandes, não filosofam.
Floco não poderia saber que algures para lá da vastidão do oceano, seres com braços e pernas como ele, mas mais pequenos, menos brancos e inteligentes -  não se preocupam com a Grande Casa Azul onde vivem, nem com a Grande Casa Azul que irão deixar às suas crias. Floco não poderia saber que estes seres se movem em caixas com rodas e albatrozes de metal que produzem lixo-que-voa. Que também produzem grandes quantidades de lixo-que-não voa-e-que-flutua-e-nunca-desaparece. Floco não poderia saber isso. Ele é apenas um urso que nunca viu nada dessas coisas, e mesmo que visse não poderia meditar sobre elas, porque os ursos não meditam. Não é essa a sua natureza.
Já aqui o disse, mas importa repetir... A sua natureza é viver, caçar, dormir, procriar, comer e percorrer sozinho  grandes distâncias  porque é um ser livre como o vento. Não é muito inteligente, é certo. Pelo menos não pelos padrões das criaturas além-mar. Mas em muitos aspectos é infinitamente mais inteligente. Viver era por isso o que ele estava a fazer quando o chão debaixo das suas patas vibrou, se desprendeu, e um enorme pedaço de gelo tornado ilha deu início à sua curta epopeia oceânica.
Os dias passaram lentamente. As noites, simetricamente, também. Floco não poderia saber o porquê de tudo isto. Sabia apenas... sentia apenas que nunca conseguiria nadar a distância enorme que cada vez mais o separava da sua grande casa de gelo. Não poderia saber que o um bloco de gelo derrete rapidamente, e que mais tarde ou mais cedo se torna aquilo que já é. Água. Nuvem. Chuva. Oceano. Água. Floco não poderia saber que neste ciclo infinito, ele é um apenas um pormenor de somenos importância. Um grão de pó na enorme máquina natural. 
É... um urso não pensa nessas coisas. Não sabe nada sobre as mudanças que estão a acontecer na Grande Casa Azul. Não conhece as palavras Clima e Ozono, nem tão pouco CO2 ou Aquecimento Global. Não sabe nada sobre a Vida e a Morte e Tudo o que está Antes e Depois.
Em prol de uma história anímicamente mais rica,  podemos até imaginar que algures no mais fundo da sua alva alma, Floco sentisse um pouco de tudo isto, ainda que de uma forma sem forma. Seja como for, nunca o saberemos, pois para Floco esta noite seria ...

...eterna."




Paulo Galindro,  27 de Outubro de 2012.

2 comentários:

Sílvia Mota Lopes disse...

Pois é...o bicho homem não é lá muito inteligente, mas podemos dizer que é muito egoísta, pensa numa casa azul minúscula apenas ocupada por ele...o mais importante é o seu bem estar, o seu conforto...o outro? o amanhã? não importa muito, ou mesmo nada...
gostava de ser feiticeira e podia transformá-lo num... que tal...um Urso Polar chamado Floco?
Um beijinho triste:(

Vivian Vilela disse...

Muito boa ilustração, pena que realmente ao cria-la sentiste uma enorme tristeza pelo que o Floco estava a sentir sem mesmo saber... Mas não acontece somente com ele esta a acontecer com muitos outros animais e até o homem que nem sabe o qual mal esta a fazer com a natureza e que prejudica todos os seres vivos..

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