"Então o homem de idade disse: - Eu tenho uma história que vai fazê-lo acreditar em Deus (...)
- Isso é uma tarefa difícil.
- Não tão difícil que não consiga lá chegar."
Yann Martel "A Vida de Pi"
Já ando a ler este livro, e devo dizer desde já que estou a adorar. No entanto, há uns dias atrás fui ver o filme com o meu filho João, realizado por Ang Lee. Na verdade, nunca gostei de sobrepor o visionamento de um filme ao livro que lhe deu origem. Ler um livro é deixar que a imaginação crie o mundo que vive nas suas páginas, e que dê vida a todas as histórias que acontecem nas entrelinhas (essa é também a função de um ilustrador). Ver o filme primeiro é sobrepor a visão de alguém à nossa própria visão, e isso é de certa forma matar um pouco a experiência mística de mergulhar num livro, mas desta vez subverti as regras do (meu) jogo.
Sei que a crítica "especializada" não foi muito favorável ao filme (as aspas não são acidentais, nem pretendem ironizar de uma forma depreciativa o trabalho destes profissionais... carregam sim a necessidade de termos também nós uma postura crítica perante o que nos rodeia, e que se sobrepõe sempre à opinião de terceiros que por vezes, não são tão especialistas com seria de esperar) e em determinados pontos, concordo plenamente com a opinião deles. Mas ainda assim foi uma experiência impressionante e visualmente inspiradora e absorvente. Mas acima de tudo, fala-nos do poder de contar uma história e do quanto reconstruímos o mundo e a nossa própria existência cada vez que o fazemos. Como deuses.
Por vezes pergunto-me se nós mesmos não seremos meras personagens de livros algures numa biblioteca sem fim, onde as histórias se encandeiam, entrelaçam e se repetem - como um mandala formando padrões fractais que escondem o segredo do universo - até que cada um dos seus personagens atinja o Prólogo da sua existência... o momento em que conhecerá o Autor. E quem sabe se o Autor não será também ele um personagem de um livro ainda maior.
"A ficção é isso, não é verdade, a transformação selectiva da realidade? Torcê-la para lhe extrair a essência?"
Yann Martel "A Vida de Pi"
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