Eu, e a Sylviane Rigolet à porta do Museu da Resistência de Varsóvia |
No 2º dia em Varsóvia, Sábado mais precisamente, guardamos o período da manhã para visitarmos o famoso Museu da Resistência de Varsóvia (Muzeum Powstania Warszawskiego), que se localiza na rua Grzybowska, numa antiga central eléctrica recuperada para o efeito. Varsóvia foi uma das cidades mais fustigadas pelos alemães e as suas muito conhecidas tendências expansionistas. Seria politicamente correcto dizer "pelos nazis", mas hoje, mais do que nunca, considero que esta é uma visão redutora, simplista, e perigosa até, por que renega uma visão muito mais abrangente da história, e acima de tudo, da actualidade. De facto, sem toda a parafernália gráfica, estética, de indumentárias, de discursos pseudo-místicos, de busca pelo Santo Graal, de teorias de Eugenia e de campos de extermínio que caracterizaram o nazismo, verifico com grande tristeza que a velha máxima que afirma que a história se repete a si mesma até aprendermos algo com ela, é hoje mais do que nunca verdade. Podemos de facto observar em primeira mão que este fenómeno expansionista e de controlo não terminou nos anos 40, e actualmente verifica-se de uma forma não tão subtil como gostariamos de acreditar, onde "apenas" se trocaram as armas pelos mercados. Só posso fazer votos que a o ciclo histórico fique por aqui e não vá tão longe como noutras épocas.
Alguns brinquedos da época
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O pequeno insurgente... um homenagem a todas as crianças
que se juntaram aos adultos na luta contra os nazis...
e foram muitas.
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Confesso que fiquei fascinado por esta fotografia. A beleza no meio o horror. |
São salas e salas de cheias de memorabilia, de objectos perdidos, de fragmentos de vidas estilhaçadas, de armamento, de sons de bombardeamentos, de imagens e vídeos atrozes (sempre dentro de umas caixas de cimento com paredes altas, deste modo devidamente protegidos dos olhares dos mais pequenos), de fotografias de todos aqueles que pereceram neste apocalipse, e que de outro modo seriam para sempre anónimos. Mas estas salas também estão cheias de tudo aquilo que torna o Ser Humano glorioso... coragem, altruísmo, dignidade, perseverança. esperança e, acima de tudo, amor.
Não me importava nada de percorrer as estradas do Alentejo numa coisinha destas... |
... e de dar uma volta ao mundo num pássaro destes, mas pintado com 1000 cores pela Pintarriscos. |
Estes avisos estão espalhados por toda a exposição, e revelam bem o acervo de imagens de arquivo absolutamente brutais do que foi a invasão alemã |
Sem palavras |
A visita a este museu não é fácil, nem nunca poderia ser. Como tratar um tema tão brutal e violento de uma forma leve, agradável e politicamente correcta? A Natalina e a Sylviane sentiram a necessidade de sair antes do fim, pois em alguns pontos o ambiente torna-se mesmo muito, muito pesado. Eu obriguei-me a ir até ao fim, mas por vezes não foi uma tarefa nada fácil. O que torna este museu verdadeiramente chocante é que, de alguma forma nos faz olhar para dentro de nós mesmos. Cada uma daquelas pessoas poderia ser eu, os meus filhos, tu. Esta é a grande lição da História... Não se trata uma mera actividade humana que se limita a coleccionar factos e objectos do passado. É sim um aviso ao futuro: se não aprenderes comigo, tudo isto se repetirá, e de formas bem mais sofisticadas.
Um facto curioso... em nenhum ponto deste museu se encontra uma fotografia de Hitler, por se considerar que mais pequena imagem poderia ser uma homenagem à besta em questão.
Considero a visita a estes locais não uma opção mas um imperativo. Tivesse eu mais tempo e teria viajado os 300 km que separam Varsóvia de Auschwitz - Birkenau, não por ser um passeio agradável - muito muito longe disso - mas por ser um dever que todos temos para com os 6.000.000 de seres humanos que desapareceram nos campos de extermínio. O dever de não esquecer, e acima de tudo não fingir que nunca aconteceu.
Esta imagem em grande formato deixa qualquer um chocado... os últimos segundos de vida de um homem. |
A inspiração da resistência polaca bem patente na inscrição desta pedra |
O que resta do antigo gueto judeu |
Um pouco por todo o lado surgem edifícios ultra-modernos, que contrastam com a carga histórica e simbólica desta cidade... e ainda bem! |
Workshop para crianças "Pintar, desenhar, sujar e rasgar – tudo serve para ilustrar"
Nesse mesmo dia, durante a tarde, dei um workshop para crianças. Todos os eventos tiveram lugar no Atelier Foksal, que é a materialização ao pormenor de um sonho há sonhado por mim cá para Portugal... um edifício totalmente ocupado por um imenso atelier, onde se aplica a 100% o conceito de educação pela arte. Fundado por um adorável casal de artistas plásticos de renome em Varsóvia - Teresa Starzeg e Andrzej Bielawski - neste espaço são abordadas todas as artes criativas. E quando digo todas, é mesmo todas... nada fica de fora. O público alvo são as crianças dos 0 aos 110 anos, a quem são ministrados workshops, palestras, encontros com artistas plásticos de todos os quadrantes, residência criativas, curso de médio e longa duração, preparação para a universidade, terapia pela arte, e um imenso étecétera.
Confesso que andava muito preocupado com o facto de a diferença abismal entre as nossas línguas poder ser uma barreira intransponível na criação da tão necessária química para que estas oficinas dêem frutos. No entanto, essa preocupação revelou-se infundada. Graças ao apoio da Dorota na tradução, tudo correu na perfeição. A Dorota que estudou a fundo a cultura portuguesa na universidade nas suas mais variadas vertentes. Juntamente com mais 900 polacos forma uma comunidade que sente uma grande atracção pela nossa cultura, o que não deixa de ser impressionante.
Com tantos pedidos para desenhar um tubarão, acabei por recorrer à capa de "O tubarão na banheira" |
O workshop correu maravilhosamente bem. Atendendo ao tema do evento, decidi usar o meu livro "Sabes que também podes ralhar com os teus pais?", cujos originais mostrei antes, para lhes lançar o desafio de desenharem algo que não gostassem que o pais fizessem, mas sempre de um ponto de vista construtivo (que é aliás aquilo que se passa com o livro). Confesso que fiquei em parte surpreendido com a beleza dos resultados finais, e digo em parte porque muitos dos miúdos frequentam cursos no atelier. O workshop era para ter a duração de 1:30 h, mas acabou por ter quase 3 horas, tal foi a dedicação dos
miúdos.
Uma sereia, a pedido de um menino que adora sereias. Quem não gosta? |
A palestra de Sylviane Rigolet: "Tabus, preconceitos ou temas difíceis: assuntos sempre delicados... mas para quem?"
Após o meu workshop, foi a vez de a Sylviane Rigolet apresentar a sua palestra. A Sylviane é uma psicolinguista de nacionalidade Suiça, licenciada em psicopatologia da comunicação e da linguagem e logopedia pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Genève, mas acima de tudo, é um ser humano formidável. Ela é a mãe dos Encontros Nacionais de Ilustradores, que têm lugar há cerca de 4 anos em São João da Madeira, e esta viagem foi uma oportunidade de ouro para conhecermos a fundo alguém que já admirávamos antes. A Sylviane é apaixonada por Portugal, e não se cansa nunca de desmistificar as ideias pré-concebidas que todos temos quando comparamos a nossa cultura com a helvética.
O seu workshop foi brilhante, e devo dizer que de certo modo foi uma epifania para mim. Mostrou os muitos exemplos de livros que foram publicados em Portugal e que tratam de temas tabu. Mas, acima de tudo, demostrou até onde se pode trabalhar um livro, e o quanto pode ser fundamental na apropriação e apreensão do mundo por parte das crianças. Eu já sabia que um livro é um mundo... agora fique a sabe que nele cabe um universo inteiro.
Tudo isto apresentado de uma forma original, apaixonada, teatral, poética e com uma coerência simples e inabalável.
Não é todos os dias que podemos levar umas cuecas para uma palestra. |
Um estendal feito de imagens de livros publicados em Portugal. |
Mas que grande surpresa!!! Olha o Cuquedo. |