segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Os diários de Varsóvia II

Eu, e a Sylviane Rigolet à porta
do Museu da Resistência de Varsóvia
Dia#2

No 2º dia em Varsóvia, Sábado mais precisamente, guardamos o período da manhã para visitarmos o famoso Museu da Resistência de Varsóvia (Muzeum Powstania Warszawskiego), que se localiza na rua Grzybowska, numa antiga central eléctrica recuperada para o efeito. Varsóvia foi uma das cidades mais fustigadas pelos alemães e as suas muito conhecidas tendências expansionistas. Seria politicamente correcto dizer "pelos nazis", mas hoje, mais do que nunca, considero que esta é uma visão redutora, simplista, e perigosa até, por que renega uma visão muito mais abrangente da história, e acima de tudo, da actualidade. De facto, sem toda a parafernália gráfica, estética, de indumentárias, de discursos pseudo-místicos, de busca pelo Santo Graal, de teorias de Eugenia e de campos de extermínio que caracterizaram o nazismo, verifico com grande tristeza que a velha máxima que afirma que a história se repete a si mesma até aprendermos algo com ela, é hoje mais do que nunca verdade. Podemos de facto observar em primeira mão que este fenómeno expansionista e de controlo não terminou nos anos 40, e actualmente verifica-se de uma forma não tão subtil como gostariamos de acreditar, onde "apenas" se trocaram as armas pelos mercados. Só posso fazer votos que a o ciclo histórico fique por aqui e não vá tão longe como noutras épocas.

Alguns brinquedos da época





O pequeno insurgente... um homenagem a todas as crianças
que se juntaram aos adultos na luta contra os nazis...
e foram muitas.





Confesso que fiquei fascinado por esta fotografia.
A beleza no meio o horror.
Este museu pretende fazer uma homenagem merecida a todos os seres humanos que heroicamente fizeram frente ao avanço do demónio germânico. Pessoas como qualquer um de nós - homens, mulheres, crianças, idosos - na maior parte das vezes sem quaisquer conhecimentos militares, que lutaram com tudo o que tinham à mão mesmo sabendo que no final seriam aniquilados. A sua arma mais forte foi a convicção de quem já não tem nada a perder. E essa é uma arma poderosa. Contudo, o seu sacrifício não seria em vão... a sua perseverança serviria de inspiração aos sobreviventes e às gerações seguintes para erguerem novamente a cidade.
São salas e salas de cheias de memorabilia, de objectos perdidos, de fragmentos de vidas estilhaçadas, de armamento, de sons de bombardeamentos, de imagens e vídeos atrozes (sempre dentro de umas caixas de cimento com paredes altas, deste modo devidamente protegidos dos olhares dos mais pequenos), de fotografias de todos aqueles que pereceram neste apocalipse, e que de outro modo seriam para sempre anónimos. Mas estas salas também estão cheias de tudo aquilo que torna o Ser Humano glorioso... coragem, altruísmo, dignidade, perseverança. esperança e, acima de tudo, amor.



Não me importava nada de percorrer as estradas do Alentejo
numa coisinha destas...



... e de dar uma volta ao mundo num pássaro destes, mas pintado
com 1000 cores pela Pintarriscos.


Informaram-me que o comunismo é proibido na Polónia.
Não sei em que moldes esta interdição é aplicada,  mas o ódio é
tanto que os polacos decidiram, num gesto de ironia,
transformar a antiga sede do partido na Bolsa de Valores
de Varsóvia


Estes avisos estão espalhados por toda a exposição, e revelam bem
o acervo de imagens de arquivo absolutamente brutais
do que foi a invasão alemã
Sem palavras

A visita a este museu não é fácil, nem nunca poderia ser. Como tratar um tema tão brutal e violento de uma forma leve, agradável e politicamente correcta? A Natalina e a Sylviane sentiram a necessidade de sair antes do fim, pois em alguns pontos o ambiente torna-se mesmo muito, muito pesado. Eu obriguei-me a ir até ao fim, mas por vezes não foi uma tarefa nada fácil. O que torna este museu verdadeiramente chocante é que, de alguma forma nos faz olhar para dentro de nós mesmos. Cada uma daquelas pessoas poderia ser eu, os meus filhos, tu. Esta é a grande lição da História... Não se trata uma mera actividade humana que se limita a coleccionar factos e objectos do passado. É sim um aviso ao futuro: se não aprenderes comigo, tudo isto se repetirá, e de formas bem mais sofisticadas.
Um facto curioso... em nenhum ponto deste museu se encontra uma fotografia de Hitler, por se considerar que mais pequena imagem poderia ser uma homenagem à besta em questão.



Considero a visita a estes locais não uma opção mas um imperativo. Tivesse eu mais tempo e teria viajado os 300 km que separam Varsóvia de Auschwitz - Birkenau, não por ser um passeio agradável - muito muito longe disso - mas por ser um dever que todos temos para com os 6.000.000 de seres humanos que desapareceram nos campos de extermínio. O dever de não esquecer, e acima de tudo não fingir que nunca aconteceu.

Esta imagem em grande formato deixa qualquer um chocado...
os últimos segundos de vida de um homem.




A inspiração da resistência polaca bem patente na inscrição desta pedra




À saída do museu, e aproveitando uma manhã dedicada à 2ª Guerra Mundial, fomos visitar o muito pouco que resta do gueto onde os judeus foram confinados - onde a fome, as doenças e as deportações reduziram uma população 380 000 habitantes para 70 000 habitantes - e que em 1943 os alemães dizimaram completamente. Segundo nos apercebemos, estão a ser realizadas obras de recuperação destes edifícios para apartamentos e escritórios. Apesar de me ter chocado a ideia de viver num sítio com uma história de sofrimento tão pronunciada (nós por cá também temos situações destas, como é o caso da sede da antiga polícia política, PIDE, situada no número 22 da Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, que está a ser transformada num condomínio de luxo) a verdade é que parece haver uma vontade por parte dos polacos em "apagar", ou "atenuar" uma memória demasiado dolorosa, para desta forma poderem olhar de frente um futuro sem fantasmas. Não critico, mas sinto que com o tempo vem o arrependimento de se terem tomado este tipo de decisões. Ainda que cheio de gruas e andaimes, não pude deixar de sentir uma imensa tristeza neste local, onde cada pedra, cada tijolo, conta a história de uma realidade que para a minha geração é, felizmente, até agora, inimaginável.


O que resta do antigo gueto judeu



Um pouco por todo o lado surgem edifícios ultra-modernos, que contrastam
com a carga histórica e simbólica desta cidade... e ainda bem!




Workshop para crianças "Pintar, desenhar, sujar e rasgar – tudo serve para ilustrar"

Nesse mesmo dia, durante a tarde, dei um workshop para crianças. Todos os eventos tiveram lugar no Atelier Foksal, que é a materialização ao pormenor de um sonho há sonhado por mim cá para Portugal... um edifício totalmente ocupado por um imenso atelier, onde se aplica a 100% o conceito de educação pela arte. Fundado por um adorável casal de artistas plásticos de renome em Varsóvia - Teresa Starzeg e Andrzej Bielawski - neste espaço são abordadas todas as artes criativas. E quando digo todas, é mesmo todas... nada fica de fora. O público alvo são as crianças dos 0 aos 110 anos, a quem são ministrados workshops, palestras, encontros com artistas plásticos de todos os quadrantes, residência criativas, curso de médio e longa duração, preparação para a universidade, terapia pela arte, e um imenso étecétera.
Confesso que andava muito preocupado com o facto de a diferença abismal entre as nossas línguas poder ser uma barreira intransponível na criação da tão necessária química para que estas oficinas dêem frutos. No entanto, essa preocupação revelou-se infundada. Graças ao apoio da Dorota na tradução, tudo correu na perfeição. A Dorota que estudou a fundo a cultura portuguesa na universidade nas suas mais variadas vertentes. Juntamente com mais 900 polacos forma uma comunidade que sente uma grande atracção pela nossa cultura, o que não deixa de ser impressionante.
















Com tantos pedidos para desenhar um tubarão,
acabei por recorrer à capa de "O tubarão na banheira"






























O workshop correu maravilhosamente bem. Atendendo ao tema do evento, decidi usar o meu livro "Sabes que também podes ralhar com os teus pais?", cujos originais mostrei antes, para lhes lançar o desafio de desenharem algo que não gostassem que o pais fizessem, mas sempre de um ponto de vista construtivo (que é aliás aquilo que se passa com o livro). Confesso que fiquei em parte surpreendido com a beleza dos resultados finais, e digo em parte porque muitos dos miúdos frequentam cursos no atelier. O workshop era para ter a duração de 1:30 h, mas acabou por ter quase 3 horas, tal foi a dedicação dos
 miúdos. 







Uma sereia, a pedido de um menino que adora sereias.
Quem não gosta?







A palestra de Sylviane Rigolet: "Tabus, preconceitos ou temas difíceis: assuntos sempre delicados... mas para quem?"

Após o meu workshop, foi a vez de a Sylviane Rigolet apresentar a sua palestra. A Sylviane é uma psicolinguista de nacionalidade Suiça, licenciada em psicopatologia da comunicação e da linguagem e logopedia pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Genève, mas acima de tudo, é um ser humano formidável. Ela é a mãe dos Encontros Nacionais de Ilustradores, que têm lugar há cerca de 4 anos em São João da Madeira, e esta viagem foi uma oportunidade de ouro para conhecermos a fundo alguém que já admirávamos antes. A Sylviane é apaixonada por Portugal, e não se cansa nunca de desmistificar as ideias pré-concebidas que todos temos quando comparamos a nossa cultura com a helvética.
O seu workshop foi brilhante, e devo dizer que de certo modo foi uma epifania para mim. Mostrou os muitos exemplos de livros que foram publicados em Portugal e que tratam de temas tabu. Mas, acima de tudo, demostrou até onde se pode trabalhar um livro, e o quanto pode ser fundamental na apropriação e apreensão do mundo por parte das crianças.  Eu já sabia que um livro é um mundo... agora fique a sabe que nele cabe um universo inteiro.
Tudo isto apresentado de uma forma original, apaixonada, teatral, poética e com uma coerência simples e inabalável.



Não é todos os dias que podemos levar umas cuecas para
uma palestra.




Um estendal feito de imagens de livros publicados em Portugal.

Mas que grande surpresa!!! Olha o Cuquedo.



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