quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Os diários de Varsóvia I




Tal como já tinha referido aqui, o Instituto Camões, na sua representação em Varsóvia, convidou-me a participar no evento "Tabu na Arte para Crianças", que tal como título sugere, abordou todo o tipo de temáticas até agora consideradas "proibidas", e que cada vez mais surgem na literatura e ilustração infantil. Este projecto teve início no Instituto Cultural Dinamarquês, que convidou os restantes institutos culturais europeus e as embaixadas ligadas ao EUNIC - European Union National Institutes for Culture com o objectivo de criar um espaço de discussão e de apresentação de trabalhos dos artistas que lidam com os tabus. Os eventos tiveram lugar, sucessivamente, em Gdansk, Varsóvia e Poznam, ao longo de um período de 2 meses. Este projecto apoiou-se em dois pilares: uma exposição de livros e ilustrações, e uma série de palestras e workshops permitiram ao público conhecer os respectivos autores.

Com 3 semanas de atraso, este post pretende dar início a um pequeno diário escrito e, acima de tudo, fotográfico (para não vos maçar muito) dessa viagem de 5 dias, porque é também na partilha de experiências que todos crescemos


Dia#1

Não posso dizer que a viagem tenha corrido sem quaisquer percalços. Fizemos escala em Zurique, de onde o avião saiu atrasado, o que por si só não é nada de especial. Mas a surpresa estava guardada para a chegada a Polónia. O avião teve de ser desviado para um outro destino, devido à existência de um nevoeiro intenso no aeroporto Chopin, em Varsóvia. Quando aterrámos no destino alternativo - que julgávamos nós ser um aeroporto a cerca de 90 km do nosso destino - tivemos de esperar que nos dessem autorização para desembarcar, o que ainda demorou aproximadamente 30 minutos. Nada de mais não fosse o facto de estarmos a viajar à 7 horas e sabermos que ainda iríamos ter uma jornada pela frente. O que não sabiamos ainda é que a jornada seria bem maior do que alguma vez poderiamos antever. Na verdade estávamos no aeroporto de uma cidade chamada katowice, a cerca de 300 km de Varsóvia. Num país onde ainda não há autoestradas tal como nós as conhecemos, antevia-se uma enorme dor de cabeça para nós. Uma hora e meia depois de aterrarmos, embarcámos num autocarro disponibilizado pelo aeroporto, e demos início a uma viagem que durou umas intermináveis 4 horas (e 53 palavrões em bom português, 2 cóccix e 3 vértebras fora do sítio e algumas centenas de camiões TIR em passo de caracol) por estradas nacionais, muitas delas em obras para o Euro 2012 e com apenas uma via. À 1:30 h da manhã chegámos ao aeroporto de Varsóvia (já sem sinais do maldito nevoeiro) onde tivemos de apanhar um taxi e mais meia-hora de viagem para o Hotel. Nós, que nessa manhã tínhamos previsto passear um pouco pela cidade quando chegássemos - mais ou menos pelas 19:30 h - acabámos por sucumbir ao cansaço e ... que se lixe Varsóvia esta noite. Agora quero dormir. Chiça!

No dia seguinte acordámos bem cedo para nos dedicarmos a uma das coisas que mais prazer nos dá... Deambular a pé pela cidade e deixarmo-nos perder nela. Não há nada que me dê mais prazer quando, num qualquer destino, abro as cortinas do quarto e o vislumbro uma cidade pela primeira vez. É como se fosse um imenso recreio cheio de segredos por decifrar, à espera de serem descobertos por mim. Cheiros, imagens, sabores, dialectos, luz, clima, moeda, cultura, tudo novinho em folha, pronto a estrear aos nossos olhos.
O hotel chamava-se Polonia Palace, e não podia estar mais bem situado no centro da cidade, mais concretamente na Plac Defilad, mesmo em frente ao controverso Palácio da Cultura e da Ciência. Este é edifício mais alto da cidade e foi oferecido por Estaline à Polónia, e por isso mesmo muito polacos recusam-se a entrar lá dentro, chegando mesmo a desejar a sua demolição. Tem 231 metros de altura, e por isso mesmo é visível a partir de qualquer ponto da cidade. Tem 3000 quartos, centros comerciais, galerias, teatros e no topo, 4 mostradores de relógio com 6 metros de diâmetro, os mais altos do mundo. 

A vista do nosso quarto. Lá no alto, a omnipresença
do Palácio da Cultura e da Ciência

Após a primeira hora, uma das mais fortes impressões que Varsóvia nos causou foi a imagem poética de de grandes áreas da cidade cobertas com folhas em todos os tons ocres que se possam imaginar. Varsóvia tem vários parques urbanos de enormes dimensões, cujo desenho orgânico se funde na perfeição com a cidade. As nossa cidades ganhariam muito se tivéssemos 1/4 dos espaços verdes que esta cidade tem. Por ser Outono, foi impressionante ver um oceano de talha dourada mesmo debaixo dos nosso pés, e a forma como este fenómeno altera a percepção que temos da luz. Toda a cidade parecia mergulhada num subtil brilho de ouro, cortesia do tempo fabuloso que tivemos sorte de encontrar. De acordo com o nosso cicerone, José Carlos Costa Dias, representante do Instituo Camões em Varsóvia e Lublin, nesta altura do ano já deveria estar a nevar e com temperaturas realmente baixas, ao invés dos modestos 4º e 11º de temperatura e mínima e máxima que sentimos na nossa pele.






A língua polaca é muito traiçoeiro


Em termos de arquitectura, não se pode dizer que Varsóvia seja uma cidade colorida. Imperam os tons terra, pontuado aqui e acolá por pinturas nas fachadas e por decorações com cores mais arrojadas. Contudo, estes tons quentes tornam a cidade quente e aconchegante, não obstante muitas vezes estar estar sob temperaturas muito abaixo dos 0º C.
Uma das coisas que todos nós fazemos quando queremos conhecer uma cidade é deslocarmos-nos quase instintivamente para as zonas mais antigas. E Varsóvia não é excepção, não obstante o facto de esta ser a capital europeia mais nova, pois foi completamente arrasada pelos f****s da P**a dos nazis.






A parte antiga da cidade tem uma praça central, onde se vende de tudo um pouco, e que está cercada por lindos edifícios e tons ocre pastel. No centro, o famoso monumento à sereia de Varsóvia. As sereias imperam na cidade, como símbolos e guardiãs dos seus habitantes. 





Uma das maiores matérias-prima da arte folk polaca é a madeira pintada
com uma explosão de cores








Muitos dos edifícios apresentam pinturas de murais, alguns deles revestidos a dourado, o que lhes confere uma imagem única. É curioso observar que muitas dessas pinturas, especialmente as mais antigas, apresentam já uma estética que normalmente atribuímos ao design e à ilustração moderna com origem na Europa de Leste.




Apesar de não ter qualquer religião, considero a arte sacra uma importante
forma de conhecermos as estéticas vigentes, mesmo as mais
modernas, numa qualquer cultura
O espírito de uma cidade também se conhece
pela sua arte urbana




Foi um prazer perdermos-nos nestes recantos

Mais um jardim,
mais um oceano de ouro


Para mi, que sou um amante compulsivo e possessivo de música, descobri que Frédéric François Chopin na verdade chamava-se Fryderyk Franciszek Chopin, e nasceu em 1 de Março de 1810 na Polónia, mais concretamente em Żelazowa Wola. E eu que sempre pensei que ele era francês. De facto, ele viveu e morreu em França, mas a sua ligação à terra natal era tão grande que o seu último desejo foi que lhe retirassem o coração após a sua morte, e selado numa urna cheia de Cognac. O seu coração permanece até hoje lacrado dentro de um pilar da Igreja da Santa Cruz (Kościół Świętego Krzyża) em Krakowskie Przedmieście, debaixo de uma inscrição do Evangelho de Mateus, 6:21: "onde seu tesouro está, estará também seu coração". Ironicamente, este artefacto foi salvo do apocalipse nazi por um oficial das SS.

Kościół Świętego Krzyża - Igreja de Santa Cruz

O coração de Chopin está algures ali dentro


Outra das coisas que me fascinou goi a convivência de edifícios de traça imperial e monumental, com arquitectura tipicamente socialista, monumental também, mas por razões diferentes. Grandes edifícios cinzentos, destituídos de qualquer artifício decorativo, servidos interiormente por uma galeria que pode chegar a ter uma centena de metros ou mais, e com apartamentos que muito de aproximam do chamado Mínimo Existencial.






Contrastes entre o novo e o moderno, o baixo e o alto.

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